Ao longo de todo o mês, serão realizadas nove lives sobre os mais diversos assuntos relacionados à doença, protagonizadas por especialistas de universidades renomadas, como USP, Unifesp, UnB e outras.
Além disso, integrando a campanha, durante o mês serão publicadas quatro entrevistas exclusivas com especialistas participantes do evento.
A primeira delas é com a Dra. Ceres Ferreti, que irá abrir a programação na quarta-feira, 2 de setembro, junto à Dra. Jerusa Smid. A profissional tem um extenso currículo, que inclui especializações de mestrado e doutorado em neurologia e é uma das maiores especialistas do Brasil em custos relacionados a demências.
Sua principal linha de pesquisa são os custos das famílias e do estado para o tratamento das demências. Atualmente, ela está coordenando dois grandes estudos multicêntricos no Brasil com este tema.
Para dar início à série, conversamos com a Dra. Ceres sobre as dúvidas mais frequentes relacionadas à doença:
Quais são os principais aspectos relacionados a essa demência – o que é, quais são os sintomas e como ela é diagnosticada?
Características
A doença de Alzheimer (DA) é a principal causa de demência, responsável por cerca de 60% – 80% de todos os casos. Apresenta início e evolução insidiosa, possui uma característica que a diferencia dos outros tipos de demência, como, por exemplo, o quadro clássico de queixa de prejuízo de memória no início da doença, especialmente a memória para fatos recentes.
Esta queixa evolui com piora não apenas da memória, como também de outras funções cognitivas.
É importante mencionar que a perda de memória, com piora gradual, não faz parte do processo de envelhecimento e, quando presente, deverá ser avaliada por um médico que poderá excluir outras causas, muitas delas reversíveis.
Apesar da Doença de Alzheimer tem início não apenas com a perda de memória, mas também a apatia e a depressão; esta última, muitas vezes gerada pelo comportamento do familiar que, ao chamar a atenção do paciente por algo que ele não se recorda que tenha feito, provoca a alteração de humor.
Mais tardiamente, os sintomas podem incluir dificuldade de comunicação, desorientação temporal e espacial, prejuízo na capacidade de planejamento, julgamento, mudanças comportamentais e, finalmente, dificuldade e/ou perda das capacidades de comunicação verbal, de deglutição e marcha.
O que marca a fisiopatologia da DA são o acúmulo de fragmentos de uma proteína chamada beta amiloide, que forma placas externas aos neurônios no cérebro e da proteína tau que forma os emaranhados neurofibrilares, reconhecidos como novelos, dentro dos neurônios. Essas duas mudanças são acompanhadas pela morte dos neurônios e dano ao tecido cerebral. As alterações tissulares são lentas e podem começar muitos anos antes do surgimento de sintomas.
Diagnóstico da doença de Alzheimer
Existe um consenso entre pesquisadores de que não há um único teste para o diagnóstico da doença de Alzheimer.
Em tese, um medico generalista poderá fazer o diagnóstico de DA, no entanto, frequentemente, este diagnóstico é feito após o encaminhamento para neurologistas, psiquiatras e geriatras com maior experiência neste tipo de desordem neurológica.
Neste caso, comumente são utilizados uma variedade de abordagens e testes de avaliação cognitiva, funcional e comportamental que auxiliam no diagnóstico mais preciso da DA.
De modo geral, são incluídos:
– História médica e familiar do paciente, incluindo história de mudanças cognitivas, psiquiátricas e comportamentais;
– Solicitação a um membro da família sobre informações se houve mudanças nas habilidades de pensamento e comportamento (confirmando avaliação prévia do paciente)
– Realização de testes de resolução de problemas, memória e outros testes cognitivos, bem como exames físicos e neurológicos.
– Solicitação de exames de sangue e imagens do cérebro para descartar outras causas potenciais dos sintomas de demência, como um tumor ou certas deficiências de vitaminas (que podem ser reversíveis).
– Em algumas circunstâncias, usar imagens (PET) do cérebro para descobrir se o indivíduo tem altos níveis de beta-amiloide, um biomarcador da DA;
– Em alguns casos pode também ser solicitada uma punção lombar para determinar os níveis da proteína beta-amilóide e da proteína tau, já que níveis normais podem sugerir que a DA não é a causa da demência.
– Apesar de médicos experientes quase sempre determinarem se a pessoa tem ou não demência, pode ser difícil determinar a causa exata. É preciso considerar que embora a DA seja considerada a causa mais comum, também existem outras causas.
Hoje em dia, vemos diversos mitos e verdades sobre a Doença de Alzheimer. Para você, quais são os principais mitos e crenças que as pessoas têm sobre a doença e quais são as verdadeiras explicações para eles?
A primeira delas é: “Ele não tem demência, ele tem Alzheimer”. Ao analisarmos esta afirmação, poderemos ver que ela não está totalmente errada se considerarmos que demência se refere a um termo global, que trata de um grupo de sintomas e sinais (síndrome). Então, podemos dizer que nas fases iniciais da doença, o paciente tem uma doença Neurológica denominada doença de Alzheimer e, mais tardiamente, quando diferentes áreas cerebrais forem afetadas e impedirem a pessoa de gerenciar sua vida civil e cotidiana com independência, além de necessitar do auxílio de outrem para tal, podemos afirmar que a pessoa tem demência.
A segunda crença é a de que “ele/ela está esquecendo porque faz parte da idade”.
Não. O esquecimento progressivo não faz parte da idade e precisa ser avaliado por um médico! Quando envelhecemos, podemos ter uma velocidade de pensamento mais lentificada, e, por isso, o raciocínio e resposta que envolva problemas mais complexos, pode demandar mais tempo. Deve-se considerar que outras causas podem estar associadas ao esquecimento no indivíduo idoso, como, por exemplo, a privação de sono, o estresse psicológico, déficits de atenção relacionados ao uso de benzodiazepínicos (ansiolíticos), problemas sociais e a depressão, que é uma doença tratável, entre outros.
A terceira crença, muito comum é: “Acredito que ele/ela vai se curar com este remédio”. É fundamental que o familiar seja informado de que, infelizmente, até o momento não há cura para a DA. Explicar que a medicação pode, talvez, lentificar a progressão da doença é mandatório, evita falsas esperanças e maiores sofrimentos, pois o enfrentamento torna-se real.
– Sabemos que a Doença de Alzheimer segue sem tratamentos específicos ou uma cura definitiva. Quais são os tratamentos/medicamentos existentes hoje em dia, no sentido de atenuar sintomas ou até mesmo, postergá-los?
Tratamento farmacológico
Não há nenhum tratamento curativo disponível atualmente para a DA. Existem quatro drogas aprovadas pelo FDA, agência americana que controla os ensaios clínicos e aprovações de novas drogas para o tratamento da doença. São os inibidores da acetilcolisterase – Rivastigmina, Donepezila, Galantamina, e a Memantina – bloqueador de receptores que no cérebro inibem o excesso de estimulação que pode causar prejuízo às células nervosas. A eficácia destas drogas varia de pessoa a pessoa, e seu principal objetivo e alcançar a estabilização, ou lentificação da progressão da doença que pode ser considerado uma melhora.
Quanto às alterações não cognitivas (comportamento) não há nenhuma droga aprovada que seja específica para tal. Essas alterações surgem com maior frequência nas fases intermediárias e graves. Quando não há possibilidade de se controlar estes comportamentos e há riscos de prejuízo ao próprio paciente e a outros, institui-se a terapia combinada – prescrição de drogas, como os antipsicóticos que tratam alucinações, agressividade e agitação. + intervenções não farmacológicas.
Tratamento não farmacológico
São aqueles que não envolvem medicamentos. São usados frequentemente com o objetivo de manter ou melhorar a função cognitiva, a qualidade de vida global e a habilidade de executar as atividades de vida diária. Também são usadas para o controle clínico (prevenção de comorbidades) e para a redução de alterações de comportamento como depressão, apatia, perambulação, distúrbios do sono, agitação e agressividade. O trabalho de educação dirigido à família e ao cuidador direto é a base para a boa aderência às orientações feitas pela equipe de saúde. Existem trabalhos que confirmam a hipótese de que o tratamento não farmacológico às alterações de comportamento, em especial agitação e agressividade em pessoas com demência parece ser mais efetivo do que intervenções farmacológicas, na redução de agitação e agressividade.
A Doença de Alzheimer gera uma série de mudanças na vida do paciente e seus familiares. Para você, quais são as principais recomendações para as famílias se adaptarem a essa realidade, quando recebem um diagnóstico?
Vários estudos mostram que os autores concordam com o manejo ativo da DA como intervenção que pode melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas pela doença. Estes manejos incluem:
– Educação e treinamento efetivo de manejos do dia a dia da pessoa com DA.
– Opções disponíveis de tratamentos apropriados;
– Controle de doenças coexistentes;
– Integração e coordenação dos cuidados prestados pela equipe de saúde.
– Participação em atividades que sejam significantes para a pessoa com demência que tragam propósito à sua vida;
– Criação de oportunidades de conexão com outras pessoas que vivem o mesmo problema, por exemplo, grupos de suporte;
– Disseminação de conhecimentos adquiridos nos grupos de suporte com o objetivo de multiplicar informações na comunidade;
– Planejamento do futuro, lembrando que sempre é, e será possível se reinventar.
Tem mais algum ponto que você gostaria de abordar?
Fatores de risco para DA
Universalmente é reconhecido que o principal fator de risco para a DA de início tardio é a própria idade, além da história familiar da doença.
Fatores de risco modificáveis
Alguns fatores, como os citados anteriormente não são modificáveis, porém existem outros que podem ser mudados ou modificados para que seja possível reduzir o risco de declínio cognitivo e demência. Um dos fatores que mais fortemente contribui para isso é o fator educação em saúde, método de fácil aplicação e de baixo custo que pode ser adotado desde a infância.
Desde 2019 a Organização Mundial de Saúde – OMS – vem recomendando medidas simples que podem reduzir o risco de declínio cognitivo e demência. As principais recomendações são as que envolvem manejos com:
- Estímulos à atividade física;
- Cessação do hábito do tabagismo;
- Controle da hipertensão arterial e do diabetes mellitus para reduzir o risco de declínio cognitivo e demência.
- Prática de atividade Intelectual (novos aprendizados)
Estas recomendações são muito simples, de baixo custo, e poderão ser úteis para qualquer pessoa, inclusive aquelas acompanhadas na rede de atenção primária. Já existem estudos em que os efeitos da modificação dos fatores de risco podem ser evidências suficientemente fortes para a prevenção do aumento da incidência de declínio cognitivo e demência.
Entrevista publicada originalmente por Isabella Rabelo em:
metodosupera.com.br/entrevista-dra-ceres-ferreti